"Achavam-me graça, era a maria-rapaz"

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O Nuno nasceu mulher, mas sente-se homem. Tem 24 anos e dia 28 de Abril fará a última operação para adequar o corpo ao comportamento e, finalmente, mudar o nome do BI. Tomou hormonas, fez duas operações, uma das quais para tirar o peito, e vive há dois anos com uma companheira. Leva uma vida tranquila e, por isso, prefere não ser identificado, para proteger a sua cara-metade.

Começou a namorar com a companheira há seis anos e ela tem-no acompanhado neste processo de transformação, iniciado há quatro anos. "Andava no 12.º ano quando a conheci. Foi a primeira a saber e a dar-me todo o apoio", conta.

O Nuno tinha três anos quando começou a ter comportamentos tipicamente masculinos. "Não aceitava vestir um vestido e desfazia as bonecas". Tal facto não representou qualquer problema para a família, que inclui os pais e uma irmã e um irmão "Em criança identificava-se mais com o meu pai, agora é o contrário. O meu pai achava-me piada, era engraçado ter uma filha maria-rapaz". Também na escola não teve problemas. "Tinha amigos de ambos os sexos, mas gostava mais de brincar com os rapazes. Achava as brincadeiras das raparigas um bocado parvas".

O pai só deixou de "achar piada" à maria-rapaz quando, aos 18 anos, o Nuno lhe disse que era transexual masculino e que ia mudar o sexo de mulher. "Sempre me tratou como um rapaz e daí a sua revolta. Sente-se culpado". A começar pela educação que lhe deu, que nunca foi direccionada para as tarefas domésticas. "Não gosto, mas não me importo de as fazer", garantindo que, agora na sua vida conjugal, há divisão de trabalho, embora admita que a companheira tem uma parcela maior.

Licenciou-se em educação física e contou o caso ao coordenador do curso que lhe deu todo o apoio e cobertura. "Não tive problemas. Fazia natação e os meus colegas reagiam com naturalidade. Vestia-me no balneário dos homens".

As maiores dificuldades têm a ver com o mercado laboral. É difícil conseguir um emprego, porque a aparência não condiz com o sexo indicado no BI. Candidata-se a empregos, vai às entrevistas, mas, depois, acaba por não ser chamado para exercer a função.

Quanto à vida conjugal, diz que a felicidade do casal é completa, também do ponto de vista sexual (há os implantes), e só a impossibilidade de ter filhos causa alguma angústia. "Penso mais no problema dos filhos do que ela. Ela vive a vida um dia de cada vez. Gostaríamos de adoptar uma criança".

Duarte rejeitou o seu corpo não o das outras mulheres "É um ser maravilhoso", diz, rematando: "Mas, a vida das mulheres é mais complicada, são discriminadas".

"chamavam-me mariquinHas". Lara K, tem 33 anos, vive só. Nasceu rapaz, tem um irmão mais velho, e sempre se sentiu menina, apesar da educação virada para o masculino. "Não me identificava com as roupas de rapaz, queria usar as coisas da minha mãe e pôr baton. As pessoas reagiram mal, a começar pelos pais e colegas. Chamavam- -me todo o tipo de nomes, a começar por mariquinhas", conta.

Não encaixava no papel atribuído ao seu corpo e ela não achava piada às brincadeiras de rapaz - "achava uma estupidez andar a correr de um lado para o outro atrás de uma bola". E diz que os meninos que se sentem meninas têm a vida mais facilitada.

Isso foi há mais de 20 anos. Lara K nasceu em Lisboa e cedo se tornou independente. Mantém um relacionamento distante com o pai, porque sente que este não a respeita como desejava. Tem cursos de jornalismo, desenho gráfico e estilismo, tendo trabalhado na imprensa económica. Actualmente está desempregada e sonha voltar à redacção de um jornal, onde diz nunca ter sido discriminada.

Admite que no meio jornalístico há uma mentalidade mais aberta, mas o facto de não divulgar a sua imagem deve-se, sobretudo, ao querer quebrar estereótipos em relação aos trangender. Tem uma página na Internet com a sua história e fotografias. "A maioria dos transexuais femininos são conotados com a prostituição, mas se isso acontece é porque têm dificuldade de encontrar trabalho", defende.

Lara K faz tratamento hormonal e, para já, apenas admite colocar implantes mamários. Ainda não se decidiu quanto à remoção do sexo, mas tem a certeza de que não fará a operação em Portugal. "Fazem-se poucas cirurgias e ainda estamos no início. É muito importante a operação, já que vai afectar toda toda a actividade sexual. Há casos de transexuais operados que nunca atingiram o orgasmo e outros sem problema", explica, sublinhando que a forma de sentir prazer mudou desde que começou a fazer tratamento hormonal. A Tailândia ou o Equador são os países mais procurados, onde a cirurgia custa cerca de sete mil euros.

Lara diz ter um grande instinto maternal e sonha adoptar uma criança. É defensora das quotas femininas no Governo, para evitar que continue a discriminação.

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